sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

DIA DE DESCANSO - 17 de janeiro de 2014


A minha proposta, ao preparar esta viagem, era descansar muito, curtir Lisboa ao máximo, mas sem correrias. Mas aqui há tanto para se ver, que não tenho parado. Mas estou conseguindo fazer os comentários nas postagens anteriores deste blog.
Como hoje está chovendo, meus pés estão doloridos de tanto que andei ontem em Fátima (só dentro do Santuário já se anda muito, pois tudo é muito grande; como é inverno, não havia o trenzinho que leva os peregrinos do Santuário até a vila dos videntes, Aljustrel, distos cerca de 2 quilômetros e fiz o percurso a pé, indo pela Via Sacra e retornando, já de noite, por uma avenida iluminada) e porque preciso atualizar o blog, resolvi ficar no hotel.. Tomei meu café da manhã e desde as 9h30 estou trabalhando aqui no blog e respondendo a e-mails e às mensagens do Facebook.
Há pouco, saí para almoçar (por volta das 13h30, horário local (11h30 no Brasil), aproveitando que havia parado de chover e um lampejo de sol saía. Fui a um restaurante indicado pelo sacristão da Igreja São José, o Manuel, chamado Caravela, na rua de São José, continuação das Portas de Santo Antão, onde estou hospedado. Já estou me sentindo em casa e português. 
Lá chegando, a atendente já me recepcionou como conhecido e o dono, de trás do balcão, cumprimentou-me: "Como vai, seu padre? Meia sopinha hoje?" Senti-me feliz por já ser reconhecido na casa, até no que eu gosto e como gosto. Come-se bem nesse restaurante supersimples, frequentado pelos lisboetas e não por turistas, e paga-se pouco. O menu inclui sopa, pão, salada, o prato com carne ou peixe, bebida, sobremesa e café, tudo por 7 Euros (qualquer restaurante turístico vai cobrar esse valor apenas no prato quente). E os pratos são fartos. Por isso, ele e a atendente que já perceberam que não consigo comer tudo, me ofereceram meia porção de sopa. Como não há suco natural na casa, tenho bebido uma "Coca Zero". Eu estava sentado aguardando a sopa quando o proprietário perguntou-me: "Natural ou fresca?" Não entendi a que ele se referia e ele repetiu: "A "coquinha", natural ou fresca?". Ele me perguntava se eu queria o refrigerante sem gelo ou gelado. Pequenas palavras com significados diferentes aqui em Portugal.
Mundando de assunto, tenho uma amiga de internet, ou seja, não a conheço pessoalmente, e com quem tenho me correspondido há meses, uma pessoa excepcional e muito inteligente, que sempre me incentiva em meu trabalho e em meus escritos, e que tem me acompanhado nesta viagem através deste blog. No dia em que visitei a Fundação José Saramago, lendo o discurso que ele havia feito na Academia Sueca por ocasião do recebimento do Prêmio Nobel de Literatura, em 1998, no qual fazia memória de seus avós maternos, recebi dessa amiga, Hermínia, um e-mail que me emocionou tanto quanto os dizerem do escritor português. Pedi-lhe permissão e publico-o aqui.

Estimado, padre Nelson,
Paz e bem.
Continua de primeira ordem as fotos que tem colocado no blog NOS PASSOS DE PESSOA E OUTROS CAMINHOS.  Verdadeiro documentário fotográfico e um riquíssimo acervo de imagens para quem se interessa por turismo, história, literatura, etc, etc...  Você está de parabéns!  Está aproveitando as férias, ao mesmo tempo, em que dissemina conhecimento.  Muito nobre, isso.  Se meu pai fosse vivo, ele, tenho certeza,  ficaria fascinado com toda essa relíquia que você tem postado.  Poderia apreciar, através dessas fotos, os lugares que nunca conheceu de seu país, pois não morava em Lisboa. Meu pai costumava colecionar imagens de revistas sobre Portugal; ele se interessava por tudo que dizia respeito ao seu país.  Ao visitar seu blog, diariamente, tenho sentido muitas saudades dele.  Ele, apesar de ter tido poucos anos de escola, era uma pessoa curiosa e estudiosa.  Sabia muito sobre história, mitologia, matemática, religião... mais do que muitos professores.  Sobre Camões, então, nem se fala...  Eu costumava brincar dizendo, ele era a única pessoa que, em pleno século XX, já havia lido Camões várias vezes...  Meu pai lia os Lusíadas como se fosse uma Bíblia, um livro Sagrado; sabia de cor e salteado dezenas de estrofes deste livro.  E ele entendia tudo o que lá estava escrito, cada palavra, cada nome, cada verso - sabia sobre as grandes navegações, os personagens históricos, mitológicos...  enfim, se lhe fosse perguntado sobre alguma passagem dos Lusíadas, ele, respondia sem erro, o que queria dizer.  Eu tive a sorte de ter o pai que tive, pois raros homens foram iguais ao meu pai.  Ele era uma pessoa e tanto... um espírito de escol.  Pena que tenha sido algumas vezes mal compreendido por alguns de seus conterrâneos.  (Talvez seja por isso que eu tenha uma certa "bronca" sobre o temperamento e a personalidade dos portugueses - salvo algumas exceções, acho-os esnobes, arrogantes, e preconceituosos.  Por isso eu comentei, no último e-mail que, talvez, pudesse se sentir chocado com o fato de os portugueses não serem tão simpáticos, nem tão dados quanto os brasileiros...  mas vejo que eu projetei.  Você não pensa dessa forma.  Bom para você, é claro!
Bem já que estou falando sobre meu pai, deixe-me relatar um pouco mais sobre ele e sobre minha mãe.  Meus pais vieram para o Brasil nos idos de 1956 e nunca mais voltaram a Portugal.  Aqui tiveram quatro filhos e as dificuldades da vida não lhes permitiram que, enquanto, ainda, éramos pequenos,  pudessem ir a terra natal fazer uma visita.  Quando crescemos e, então, já podíamos lhes pagar a viagem já não quiseram ir.  Meu pai era um fervoroso salazarista – morreu salazarista.  Ele dizia que Portugal se estragou com a Revolução dos Cravos.  As notícias que vinham de lá, pós ditadura, em nada lhe agradavam.  Ele viu que os portugueses haviam mudado seus conceitos, seus valores e que a má administração política e econômica levaria o seu país a bancarrota.  Ele continuou amando Portugal, pois era um patriota (nunca vi, sinceramente, alguém mais patriota do que meu pai), mas nunca mais aí voltou motivado pelo desgosto – para não assistir o estrago que o 25 de abril havia feito.  Eu nunca procurei me inteirar de tudo o que se passava sobre esse assunto, a fim de formar uma opinião.  Na verdade, não sei se concordava ou não, com meu pai sobre o regime político que ele abraçara.  Nunca gostei de política e nem costumo ler nada sobre.  É muita conversa fiada e poucos resultados – tudo nela é trocar seis por meia dúzia.  Só sei que por causa dessa questão meu pai tinha muitas discussões com seu patrícios residentes no Brasil ou quando algum deles vinha de Portugal visitar-nos.  Admiravam-se dele ser concorde com caudilhos e adepto de ditaduras.  Os ânimos fervilhavam, ninguém querendo ceder nos seus pontos de vista e, muitas vezes, as visitas saiam lá de casa aborrecidas e descontentes.  Só sei também que meu pai, durante décadas, teve um retrato enorme de Salazar pendurado na parede da sala.  Pois é verdade.  Eu que sempre morei com meu pai (ele faleceu em 2007), que vi, diariamente, a figura de Salazar ali nos observando do alto da parede, soberano, costumava comentar que, ele, privando de nossa intimidade daquela forma, já fazia parte de nossa família (Era para nós um avô ou, talvez, um segundo pai).  Quando saiam as tais brigas e discussões por causa dele e o ambiente ficava nocivo e funesto eu costumava dizer que no dia que meu pai morresse a gente tiraria aquele quadro da parede e o  jogaria fora.  Meu pai morreu, tiramos o quadro da parede... mas, quem disse que eu ou minhas irmãs temos coragem de jogá-lo fora?  Meu pai amava aquele quadro... e, além do mais, Salazar "fazia parte da nossa família"...
O contato que meus pais tinham com seus familiares eram através de carta e, posteriormente, através de telefonemas. Quem escrevia as cartas era eu; meu pai não tinha paciência para fazê-lo, apesar de saber ler, escrever e redigir muito bem; minha mãe, esta, mal sabia assinar o próprio nome (em compensação tinha uma sabedoria para bem viver inigualável.  Quem me dera que eu tivesse um décimo dessa sua capacidade!).  Eu, como sempre, escrevia longas cartas a todos, porém, somente os irmãos de meus pais respondiam.  Mesmo assim de forma “telegráfica”.  Acostumamo-nos com respostas telegráficas ou com o não retorno  de mensagens que enviávamos. Minhas irmãs diziam que eu blefava em continuar a escrever para eles, mas minha mãe não queria perder os vínculos com a parentela de lá; eu fazia a vontade de minha mãe. Morreram meus tios (só resta um e a quem, ainda, mando cartas.  Este, pelo menos, me responde quando pode, pois já está com mais de 90 anos e sempre foi o nosso tio mais querido.  Certa vez esteve no  Brasil e gostamos muito e muito dele) e, praticamente, não tenho mais contato com os primos que aí residem.  Alguns moram em Lisboa, outros em Manteigas, outros em regiões próximas e, outros, nem sei onde moram...
Bem, o que quero dizer narrando tudo isso é que meus pais, cá no Brasil, sentiam imensas saudades de cada pedacinho de terra daí.  Apesar de terem sido, mais ou menos, concordes comigo de que os portugueses, aí residentes, são pessoas muito difíceis – permitem que a vaidade, a arrogância, o orgulho os dominem (Para se viver não é preciso esse pavão todo) – eles amavam do fundo da alma tudo que aí deixaram... E por isso ao ver todas essas fotos que você, padre Nelson, tem postado no blog tenho lembrado muito de meus pais.  Tenho sentido saudades deles e fico imaginando o quanto, se fossem vivos, adorariam ver essas imagens do seu blog.  Ambos achariam isso um tesouro, uma relíquia sem par.   Obrigado portanto, padre Nelson, por resgatar esse pedacinho da minha vida; me  fazendo lembrar de meus pais, dos seus conceitos, dos seus princípios, dos valores que eles ensinaram ao filhos, das pessoas nobilíssimas que eram.  Obrigada por essa oportunidade de trazer meus pais para mais pertinho de mim.
Um grande abraço e  que Deus lhe dê sempre força, ânimo, coragem, incentivo para continuar a ser a pessoa sensível e disseminadora do Bem, conforme é.  Muitas felicidades.  Volto a escrever. 
Hermínia

Ontem, no e-mail em resposta à minha solicitação para publicar o e-mail acima, a Hermínia acrescentou, após algumas palavras iniciais e pessoais que excluí, assim como o fiz nas palavras finais:

Continuo a apreciar as fotos que coloca no blog e a ler os comentários.  Li sobre o que José Saramago escreveu sobre seus avós maternos e ainda pretendo acessar  o link para lê-lo por inteiro.  Lembro que meu pai quando José Saramago ganhou o prêmio Nobel naquele ano, ficou tão orgulhoso e contente de um português ter ganho uma honra daquelas que parecia que tinha sido ele a ganhar tal distinção.  

Obrigado, Hermínia, pelo belo testemunho sobre seu pai.

 a vista do meu quarto - não é linda, mas é poética
trabalhando no blog em meu quarto do hotel

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