terça-feira, 21 de janeiro de 2014

ESTRELA: CEMITÉRIO BRITÂNICO DE LISBOA E QUARTO DE JACINTA - 21 de janeiro de 2014


Que o dia tenha amanhecido frio não é novidade, afinal estamos no inverno aqui no hemisfério norte; mas o dia ficou todo chuvoso, uma chuva fina, mais parecida a uma garoa, acompanhada de um vento que faz com que essa chuva nos envolva inteiramente e nem debaixo de um guarda-chuva conseguimos nos proteger. Saí após o café-da-manhã para a missa na Igreja de São Domingos, pretendendo ir até o bairro de Estrela e depois até Belém, visitar o Mosteiro dos Jerônimos e imediações. No entanto, devido à chuva que me molhou muito, retornei ao hotel antes das 14h00, Mas não reclamo, pois as poucas horas que fiquei fora do hotel foi de muita graça.
Passei na estação de metrô e recarreguei meu cartão para me utilizar dos meios de transporte de Lisboa. Caminhei até a rua da Conceição, próxima à Praça do Comércio e tomei o Elétrico 28, em direção a Estrela. Aguardando no ponto de parada a chegada do elétrico, após vários minutos ergui a cabeça para o prédio em frente e li uma placa, informando que naquele edifício havia nascido o escritor Mário de Sá Carneiro, amigo de Frenando Pessoa e que se suicidou em 1916.
Na Wikipedia lê-se a seu respeito: "Uma vez que a vida que trazia não lhe agradava, e aquela que idealizava tardava em se concretizar, Sá-Carneiro entrou numa cada vez maior angústia, que viria a conduzi-lo ao seu suicídio prematuro, perpetrado no Hôtel de Nice, no bairro de Montmartre em Paris, com o recurso a cinco frascos de arseniato de estricnina. Embora tivesse adiado por alguns dias o dramático desfecho da sua vida, numa «carta de despedida» para Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro revela as suas razões para se suicidar: Meu querido Amigo. A menos de um milagre na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas «cartas de despedida»... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias – ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas, mas não tenho dinheiro. [...](Mário de Sá-Carneiro, carta para Fernando Pessoa, 31 de Março de 1916)Contava tão-só vinte e cinco anos."
número 85 da rua da Conceição, na Baixa




Desci do Elétrico 28 em frente à Basílica da Estrela e cruzei o Jardim de Estrela, dirigindo-me ao Cemitério Britânico, do outro lado do jardim, na rua São Jorge, 6.
Jardim da Estrela

Sobre o Cemitério Britânico, um folheto que uma simpática e atenciosa senhora me entregou à porta explica que "um tratado de 1654 entre os governos de Oliver Cromwell (Inglaterra) e D. João IV (Portugal) permitiu que houvesse um cemitério para os ingleses mortos. O primeiro capelão registrado, Zachary Craddock, foi apontado em 1656. O primeiro enterro registrado pertence a um refugiado huguenote de 1724."
"No século XVIII floresceram comunidades comerciais estrangeiras e a população britânica aumentou. Também, como nunca houve guerra entre Portugal e a Grã-Bretanha, inválidos britânicos vieram para o sul à procura de climas melhores. No cemitério encontram-se as sepulturas do escritor britânico Henry Fielding (1707-1754) e de Philip Dodderidge (1702-1751), escritor de hinos religiosos."
"Atualmente, enterros continuam a ser feitos no cemitério, e a religião anglicana é celebrada na Igreja de São Jorge (existente dentro da área do cemitério e reconstruída em 1889, após a primeira ter sido destruída por um incêndio em 1886), com o objetivo de unir os cristãos. Hoje em dia o cemitério, para além de fazer parte do patrimônio de Lisboa, oferece um ambiente natural e único de paz e calma".
portal de entrada do Cemitério Britânico de Lisboa, em Estrela





túmulo de Henry Fielding no Cemitério Britânico de Lisboa

túmulo de Henry Fielding no Cemitério Britânico de Lisboa
túmulo de Henry Fielding no Cemitério Britânico de Lisboa
túmulo de Henry Fielding no Cemitério Britânico de Lisboa
túmulo de Henry Fielding no Cemitério Britânico de Lisboa
 Cemitério Britânico de Lisboa






túmulo de Philip Doddridge
túmulo de Henry Fielding no Cemitério Britânico de Lisboa

Saindo do Cemitério Britânico e contornando o Jardim de Estrela em direção à rua de Estrela, procurei o número 17 dessa rua, onde outrora houve o Orfanato de Nossa Senhora dos Milagres e atualmente funciona um mosteiro de religiosas. A sugestão da visita a este local foi feita pelo meu amigo sacristão, Manuel Madeira, pois Jacinta Marto havia ficado hospedada e as Irmãs mantinham o seu quarto. Ele me falou das Irmãs como sendo de uma congregação a qual não lembro o nome. Assim, que surpresa tive ao chegar à porta do antigo Orfanato e, ao achar a campainha li em uma pequena placa junto ao botão: "Irmãs Clarissas". Identifiquei-me como padre do Brasil e a porta se me abriu. Fui atendido pela Madre Maria José, que estava naquele momento atendendo a uma senhora visitante. Chamou uma postulante. Ana Rita, que me levou a conhecer os Espaços da Jacinta.
Ana Rita foi extremamente atenciosa e contou-me vários fatos que tentarei colocar aqui com fidelidade.
A casa tornou-se casa das Irmãs Clarissas muito após a passagem de Jacinta por Lisboa. Foi doada pela Superiora do Orfanato para as Clarissas e foram estas que criaram os Espaços da Jacinta, por uma questão muito simples, lógica e profundamente espiritual: ali era, de fato, Fátima em Lisboa, uma vez que Nossa Senhora ali apareceu a Jacinta, conversando com ela. Há, ao lado da pequena cama, um cadeira de pernas curtas na qual Nossa Senhora sentava-se para conversar com Jacinta, que estava acamada. Se não em engano foi o sr. Manuel Madeira quem contou-me que a Superiora do Orfanato, indo conversar com Jacinta acamada, sentou-se nessa cadeira e a menina pediu-lhe que sentasse em outra, pois aquela era a de Nossa Senhora.
Esse quarto, mais do que um pequeno memorial à passagem de Jacinta pela casa, é um Santuário e é tratado pelas Irmãs Clarissas como tal. Está arrumado, limpo, com flores. Um espaço único, simples e emocionante.
Do quarto passa-se para um outro cômodo, como um corredor, que dá acesso a uma janela que se abre diretamente para a capela que há ao lado dessa casa, mas que não pertence às Clarissas. Quando Jacinta cá esteve, por estar enferma demais para descer até a capela para a missa, era dessa janela que ela participava da liturgia e em seguida alguém lhe trazia a Eucaristia.
Há expostos em um armário alguns pertences de Jacinta: um vestido, uma sacola, seu terço, cartas recebidas, louça utilizada por ela e mais pequenos objetos. Também há a imagem de Nossa Senhora de Fátima e uma linda imagem da menina, que procura retratar sua real face.
Enquanto a Irmã Ana Rita foi perguntar à Madre se havia algum folheto com essa história toda, ajoelhei-me junto à cama e em frente à Cadeira de Nossa Senhora, tocando-a, em oração. Foi o local mais próximo que já estive onde Nossa Senhora apareceu. Naquele pequeno Santuário eu poderia passar muito tempo em oração, mas não quis me prolongar, pois sei das atividades da casa das religiosas e também porque já era quase meio-dia.
Descendo as escadas de volta à portaria, a Madre Maria José chamou a Irmã Rosa. Ambas são originárias da Ilha da Madeira e do mesmo convento de onde partiram para o Brasil as fundadoras do Mosteiro das Clarissas de Nova Iguaçu. A Irmã Rosa, inclusive, esteve entre essas fundadoras e morou alguns anos em nossa Diocese.
Conversamos por um bom espaço de tempo e para minha alegria fui convidado a presidir a missa na Capela da casa no próximo sábado, às 19h00. Mas chegarei antes para rezar o terço com elas e as Vésperas.
Saí de lá leve e agraciado.
Comentei, no quarto da Jacinta, com a Irmã Ana rita, que aquele ambiente preparado pelas Irmãs tem a cara das Clarissas, que fazem de pequenas coisas, de pequenos sinais, uma experiência espiritual marcante para todos os que mantêm contato com elas.
Voltei para a chuva e para o hotel, novamente transportado pelo Elétrico 28, ansioso por partilhar esta experiência com as Clarissas de Nova Iguaçu e com os possíveis leitores deste blog.
à esquerda da foto o número 17 da rua da Estrela, onde hoje é a Casa das Irmãs Clarissas, antigo Orfanato de Nossa Senhora dos Milagres, e ao lado a capela anexa ao Orfanato, mas que não pertence a elas
Portal da Ermida de Nossa Senhora dos Milagres
inscrição acima da porta da Ermida
placa acima da porta que dá acesso aos Espaços da jacinta
a janela que dá para o interior da Ermida de Nossa Senhora dos Remédios, de onde Jacinta participava das missas
a janela que dá para o interior da Ermida de Nossa Senhora dos Remédios, de onde Jacinta participava das missas
o armário com alguns pertences da Jacinta:
o vestido da Jacinta
o terço da Jacinta
a sacola da Jacinta
 as cartas recebidas por Jacinta
 outros objetos usados por Jacinta
 outros objetos e o retrato dos pais de Jacinta 
 uma lápide em mármore mandada colocar pela Superiora e fundadora do Orfanato, D. Maria da Purificação Godinho, a quem a Jacinta chamava “Madrinha”.
 uma imagem de Jacinta em seu quarto
 um pequeno altar no quarto de Jacinta
 a cama usada por Jacinta e a cadeira em que se sentou Nossa Senhora
 a cama
 a Cadeira de Nossa Senhora
 uma imagem de Jacinta que procura ser mais fiel a seu rosto
 a mesinha-altar no quarto


Pe. Nelson, Madre Maria José e Irmã Rosa


Texto extraído do site Paróquias de Portugal:
Jacinta foi vítima de "pneumónica", doença dizimou mais de cem mil portugueses entre 1918 e 1922. A pastorinha foi internada no princípio de Julho de 1919 no Hospital de S. Domingos, em Ourém, onde permanece quase dois meses sem melhoras. Em fins de Agosto é mandada para casa, com uma grande ferida aberta no peito. O dr. Eurico Lisboa, reputado oftalmologista, vai visitar Jacinta por meados de Janeiro de 1920. Alarmado com o seu estado, pede aos pais da vidente que a deixem ir para um hospital de Lisboa, "pois só uma operação poderá salvá-la." Jacinta e a mãe, Olímpia de Jesus, chegam à estação do Rossio ao anoitecer do dia 20 de Janeiro, onde, a pedido do barão de Alvaiázere, Luís António Vieira de Magalhães e Vasconcelos, notário em Ourém, são esperadas por três devotas. Estas levam-nas ao Orfanato de Nossa Senhora dos Milagres, situado nas imediações da Basílica da Estrela e hoje convento das Irmãs Clarissas do Desagravo de Lisboa. Jacinta fica ao cuidado da directora do Orfanato, a religiosa Maria da Purificação Godinho. Permanece ali 12 dias sempre rodeada do maior carinho, enquanto o dr. Eurico Lisboa trata do seu internamento no Hospital de Dona Estefânia, o que acontece às 12h00 em ponto do dia 2 de Fevereiro de 1920. Jacinta fica a ocupar a cama nº 38 do Serviço 1, destinado a meninas. O seu diagnóstico é de extrema gravidade: "Pleuresia purulenta da grande cavidade esquerda, fistulizada, com osteíte da 7ª e 8ª costelas do mesmo lado". É operada a 10 de Fevereiro. Às 22h30 do dia 20 de Fevereiro de 1920, a pastorinha de Fátima deixa este mundo, "serenamente". 

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